Município do litoral paulista terá centro de referência em bambu

Inspirado em modelo chinês, especialista tem floresta com 40 espécies e iniciará o plantio de outras 200 do Brasil e do exterior

Com a expansão do uso de bambu em edificações, substituindo materiais como concreto, outras madeiras, gesso e plástico, seus produtos apresentam um grande potencial de crescimento no mercado global. E o Brasil poderá ingressar nesse roteiro de produção, beneficiando-se de um futuro aumento da demanda, pois possui solo e clima apropriados para centenas de espécies. A constatação é de João Aparecido Nunes, especialista no cultivo e na utilização de bambus, que acaba de retornar da China, onde visitou centros de estudos e fábricas voltados para essa cultura.

Entusiasmado diante do interesse dos chineses em fomentar a ampliação do mercado de bambus no mundo, João retornou ao Brasil com um novo plano: montar no país o Bamboo Garden, em Bertioga, no litoral paulista, semelhante aos que conheceu na China. “Será um local com uma floresta onde predominam os bambus e com um centro de estudos para desenvolver técnicas de plantio, cultivo e utilização dessas plantas. Também funcionará como um polo de disseminação de conhecimentos, por meio de visitas monitoradas, cursos e oficinas, para brasileiros e estrangeiros”, explica.

Nos locais que utilizará para implantar o Bamboo Garden, João conta com uma floresta com 40 espécies e afirma que iniciará o plantio de mais 200 originárias do Brasil e do exterior, complementando com um bosque de plantas da Mata Atlântica. Também já existem salas, onde realiza cursos e oficinas, e um showroom de móveis e objetos produzidos pelos alunos – espaços que serão aperfeiçoados. Além disso, planeja a instalação de laboratório, estufas, biblioteca e alojamentos para receber visitantes do mundo todo.

“Com um bamboo garden no Brasil, os chineses poderão contribuir para ministrar treinamentos e expandir o conhecimento sobre o bambu para um público muito maior, sem necessidade de levar os brasileiros para lá”, acredita João. Como integrante da Rede Paulista de Bambus (Rebasp), formada por pesquisadores e professores, ele teve sua viagem patrocinada pelo governo chinês, que convidou especialistas de vários países para ministrarem palestras em universidades e bamboo gardens e conhecerem as tecnologias do setor.

Durante os 25 dias que passou na China, o especialista apresentou para estudantes, em simpósios e convenções, as espécies que existem no Brasil e o trabalho que ele desenvolve. Esteve em oito cidades, onde conheceu universidades, florestas e estufas com exemplares de bambus do mundo todo e acompanhou a produção em indústrias. Um desses locais foi o Kunming Botanical Garden, ligado ao Instituto de Botânica da cidade de Kunming e à Academia Chinesa de Ciências. Também visitou a sede do International Network for Bamboo and Rattan (Inbar), que fica em Beijing, organização criada em 1997 que se dedica a desenvolver e promover soluções inovadoras com o uso de bambu.

“Existe uma porta ampla para ser aberta e um longo caminho para percorrer nesse mercado. Os chineses têm interesse em desenvolver estudos e intercâmbio de informações sobre o bambu com vários países, para compreender a aplicação das diversas espécies e ampliar a produção, uma vez que não dão conta de atender à exportação e ao mercado interno”, avalia João. Também enxergam nessas plantações, de acordo com ele, soluções para problemas relacionados às mudanças climáticas, uma vez que o bambu é um grande sequestrador de carbono da atmosfera e atua na descontaminação e recuperação do solo.

Bambu (Foto: )

Uma das 1.200 espécies de bambus que existem no mundo

Bambu (Foto: ) Milhares de aplicações

Na China, João verificou que o bambu já é muito usado nas estruturas das construções, com tendência de crescimento em sua aplicação como alternativa para materiais como areia, pedra, cimento, tijolo, plástico e gesso. “As fibras são prensadas e formam toras mais nobres do que de outras madeiras, podendo ser cortadas em peças finas ou mais maciças para vigas. O amido da planta é utilizado para dar liga, resultando na produção de placas com alta resistência e durabilidade, comparáveis ao metal, que podem compor paredes, pisos e telhados. Já o bambu processado em massa dá origem ao bambucreto, que substitui o concreto no fechamento das paredes”, explica, observando que essas tecnologias ainda não chegaram ao Brasil.

Entre as inúmeras indústrias chinesas que processam bambu, João encontrou também a produção de essências para perfumes e cosméticos, a partir de uma resina da planta, além de tecidos, tapetes, tubos e dutos, canoas e instrumentos musicais. “Outro grande negócio na China é a destinação dos brotos para alimentação, com o processamento de 16 toneladas por dia, enquanto as folhas podem ser aproveitadas para produzir chá”, destaca.

Combinando leveza, flexibilidade e maleabilidade com durabilidade, o bambu possui mais de 4 mil indicações de uso no mundo, conforme lembra João. Em seu showroom, em Bertioga, os visitantes surpreendem-se com a quantidade, a variedade e a criatividade dos objetos e móveis, que incluem camas, sofás, mesas, bancos, luminárias, utensílios de cozinha, instrumentos musicais, entre outros, produzidos durante as oficinas. Ele também exibe exemplares das placas de revestimento para paredes, tetos e pisos que produz em sua fábrica, em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, e vende para arquitetos e designers de interiores.

A vantagem do Brasil na produção de bambus está na fácil adaptação de inúmeras espécies ao clima e solo, segundo ele. “Temos mais de 300 espécies nativas e outras 300 trazidas de outros países. No mundo, já foram catalogadas mais de 1.200”, relata. Ele conta que algumas se identificam tão bem com as condições do ambiente que se desenvolvem melhor do que em seus locais de origem.

É o caso da Dendrocalamus asper, originária do Sudeste da Ásia, que atingiu 40 metros de altura, em seis anos, na reserva de João em Bertioga, enquanto o normal seria entre 25 e 30 metros. Outro exemplo é o de espécies trazidas da Colômbia, que se desenvolveram bem e ornamentam sua floresta em Mogi das Cruzes (SP), formando desenhos de espirais e argolas, a partir de uma técnica de desvio da direção do broto.

De acordo com João, é possível gerar mais empregos e renda a partir das muitas plantações de bambu que já existem espalhadas aleatoriamente pelo país. Para isso, no entanto, é necessário disseminar o conhecimento sobre o manejo e a utilização dessas plantas de forma sustentável. Desconhecendo seu valor, as pessoas acabam enxergando-as como uma praga e pensam apenas em eliminá-las, uma vez que muitas espécies proliferam como gramíneas.

Em Ilhabela, no litoral paulista, João desenvolve um projeto, em parceria com a Secretaria Municipal de Ação Social, na Ilha de Vitória, onde os bambus estavam se alastrando sem que os moradores soubessem o que fazer. Com suas orientações, os 4 hectares da planta ganharam utilidade, gerando resultados financeiros melhores do que os da pesca para a comunidade. “Ensinamos as 16 famílias a colher os bambus e criar produtos que podem vender no comércio local, além de preparar os brotos para o setor de alimentação. Podem colher cerca de 4 toneladas de brotos por ano, o que gera uma boa renda.”

Bambu (Foto: )

Modelos das placas produzidas na fábrica de Nova Friburgo (RJ) para revestimento

Longa convivência

Aos 57 anos, João convive com bambus desde a infância. Confessa que chegava a ter pavor deles. Na fazenda dos avós, em Monte Santo de Minas (MG), ele ouvia histórias de que havia uma cobra gigante no bambuzal que engolia as pessoas e ficava assustado com o barulho das árvores. Depois, o medo passou, e ele começou a elaborar os próprios brinquedos com bambus.

Quando adulto, tornou-se judoca e instrutor de atividades físicas, ficando distante dos bambus durante décadas. Mas retomou o contato, a partir de 1992, criando instrumentos musicais, arranjos, luminárias e utensílios de cozinha como atividade de lazer. Destinava os objetos para presentear amigos e familiares e decorar a casa, até que, em 1995, foi convidado para expô-los no evento de uma construtora no litoral paulista. A exposição gerou uma grande demanda e João passou a dedicar-se comercialmente à atividade, incluindo a produção de móveis.

 

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