A economia do futuro: a Nanotecnologia

Como aconteceu com as passadas revoluções industriais, a nanotecnologia vai ser um divisor de águas na História.

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Foto: Shutterstock

Imagine dissociar o seu corpo nos seus ingredientes mais básicos. Seria capaz de colecionar uma porção significativa de gases e encher umas botijas de hidrogênio, oxigênio e azoto. Poderia também empilhar quantidades de carbono e cálcio. E talvez, inesperadamente, iria encontrar pequenas frações de praticamente tudo, como por exemplo ferro, ouro, prata, arsênico, urânio e cobre. Contudo, se fosse à bolsa de valores de Nova Iorque vender estes ingredientes, chamados átomos, não conseguiria mais do que 100 euros. É este o nosso valor? De fato não, dado que é a quantidade precisa destes ingredientes e a forma como se ligam que permite ao ser humano comer, falar, pensar e até reproduzir-se. Neste contexto, podemos colocar a questão: e se nós conseguíssemos construir objetos seguindo este processo da natureza, controlando a adição de cada átomo?

Em 1959, o físico Richard Feynman já dizia que “o ideal numa cirurgia seria ter o cirurgião dentro do meu corpo, a diagnosticar e a reparar o problema”. De facto, a alusão de Feynman relacionava-se com a possibilidade de ter máquinas miniaturizadas (nano-máquinas) capazes de passear pelos nossos vasos sanguíneos e fazer o papel de cirurgião. O termo “nanotecnologia” foi inicialmente usado em 1974 por Norio Taniguchi mas a sua origem advém da palavra “nano”, que significa em grego “anão” e representa um bilionésimo da unidade. A nanotecnologia é, portanto, a tecnologia relacionada com estas ínfimas dimensões, entre 1000 e 100 mil vezes mais pequenas que o diâmetro de um cabelo humano.

Embora a nanotecnologia tenha nascido há pouco tempo, prevê-se que o seu impacto seja semelhante à descoberta da eletricidade. De facto, a nanotecnologia é o elo que faz convergir o mundo digital, físico e biológico, definido como a quarta revolução industrial. Pela primeira vez estes três mundos conseguem comunicar entre si, porque os seus intervenientes (células, transístores, metais, cerâmicos) transferem informação à escala nano. A partir desta quarta revolução industrial, surgirão implantes celulares, nanomáquinas capazes de entrar no nosso corpo e navegar para identificar e eliminar vírus, bactérias ou células cancerígenas, impressão a 3D de órgãos humanos, materiais ultra-resistentes e auto-reparáveis, sensores subcutâneos capazes de identificar qualquer alteração no nosso corpo, novos materiais capazes de armazenar, transportar e fornecer energia, e muitas outras invenções impossíveis de imaginar.

Esta transformação produzirá alterações significativas na forma como produzimos, consumimos, comunicamos e vivemos. Tal como aconteceu com as revoluções tecnológicas passadas, a quarta revolução industrial irá colocar desafios imprevisíveis à sociedade atual. Contudo, as mudanças serão maiores, mais rápidas e mais abrangentes. O que se espera então do impacto da nanotecnologia na sociedade? As primeiras estimativas apontam para desenvolvimentos drásticos em termos de recursos humanos, inovações e valor econômico.

No que diz respeito às pessoas, uma extrapolação feita pela iniciativa nacional de nanotecnologia norte-americana indica que em 2020 cerca de seis milhões de postos de trabalho sejam relacionados com nanotecnologia. Este capital humano, mesmo aquele associado às zonas de produção das empresas, necessita de possuir conhecimento tecnológico, manter-se em formação contínua e demonstrar flexibilidade nas suas capacidades técnicas para se adaptar às novas exigências do mercado. Dada a velocidade estonteante com que a tecnologia avança, assim como as flutuações bruscas na economia, estes recursos humanos vão ser exigidos a reinventarem-se rapidamente.

Relativamente às inovações, de acordo com o relatório da StatNano, temos assistido desde 2011 a um número médio de publicações de cerca de 120 mil por ano, enquanto o número médio de patentes publicadas tem atingido as 11 mil por ano.

Quanto ao mercado relacionado com a nanotecnologia, as vendas relacionadas com esta área cresceram, entre 2012 e 2014, de 167 mil milhões dólares para 453 mil milhões de dólares, segundo um relatório publicado pela Lux Research. Em particular, o mercado actual centra-se em materiais compósitos para a indústria automóvel e desporto de alta competição, revestimentos antibacterianos, filmes finos para dispositivos eletrónicos e fotovoltaicos, assim como nanopartículas para cosméticos, tintas, adesivos e medicamentos. No futuro, a ideia da nanotecnologia é fazer parte da solução dos grandes desafios que nos enfrentam, tais como as questões da energia, saúde, educação, o ambiente e o desenvolvimento global.

Neste contexto, a nanotecnologia requer a participação atenta do governo, indústria e universidades. Em primeiro lugar, o governo precisa de criar um cluster ligado à nanotecnologia, capaz de promover a troca livre de ideias e conhecimento entre cientistas, investigadores, empreendedores, empresas, clientes e fornecedores, criando sinergias entre estes actores. O Instituto Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL) em Braga poderá ser o elo de ligação entre os vários sectores. Quanto ao sector empresarial, as grandes e médias empresas deverão incluir na sua estrutura departamentos e/ou gabinetes que possam explorar esta vertente tecnológica. Para isso é essencial contratar e reter recursos humanos especializados capazes de desenvolver ideias inovadoras. Em muitos casos, o talento em bruto já existe dentro da empresa, a questão consiste em entender como está organizado, reconhecer-lhe valor e mobilizá-lo para inovar. Este processo passa também por uma aproximação efectiva ao sector académico.

Neste contexto, a ideia de separar o trabalho teórico do trabalho prático é hoje em dia um conceito verdadeiramente obsoleto. Pelo contrário, nesta nova economia o espectro do conhecimento é contínuo, onde as empresas necessitam de conceitos teóricos para desenvolver os seus produtos, enquanto as universidades precisam de considerar a aplicação das suas teorias. Para além disso, as universidades terão que reflectir sobre os correntes curricula académicos, os quais requerem uma constante actualização, de forma a criar futuras gerações de profissionais com as competências necessárias para integrar o mercado de trabalho. Se esta preparação académica for deficiente, o nível de desemprego aumentará, pelo que é provável que cause ruturas sociais e económicas, elevando assim a diferença relativa às economias mais industrializadas e desenvolvidas.

Conforme aconteceu com as passadas revoluções industriais, a nanotecnologia vai ser certamente um divisor de águas na História, onde praticamente todos os aspectos da vida quotidiana irão ser impactados pelo desenvolvimento desta tecnologia. Contudo, o futuro, esse será difícil de imaginar. Afinal de contas, Thomas Watson, presidente da IBM, dizia em 1943: “Eu acho que o mundo não terá mais de cinco computadores.” Hoje existem dois mil milhões.

Fonte: Público – Paulo J. Ferreira – Professor catedrático, Universidade do Texas em Austin, EUA

 

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