Projeto EKOA orienta comunidades e povos tradicionais sobre Direito Ambiental
Promover a construção dialogada e coletiva voltada à formação de conhecimentossobre a legislação socioambiental, para e com agricultores, agricultoras, povos e comunidades tradicionais. É assim que o projeto de extensão “EKOA: Direito Ambiental para tod@s”, criado no curso de Direito da Universidade Federal do Paraná, contribui para a transformação social.
A iniciativa surgiu pela união de dois projetos desenvolvidos na UFPR com características comuns. Oficialmente como projeto de extensão, o EKOA iniciou as atividades em 2016.
Desde então, estudantes e professores promovem ações voltadas a grupos considerados vulneráveis com relação às dimensões do agronegócio – agricultura familiar e camponesa, comunidades e povos tradicionais. “Este público representa a r-existência do modelo de desenvolvimento econômico atual. O diálogo extensionista pretende aproximar as discussões científicas e acadêmicas socioambientais com a realidade para avaliar quais seriam os denominadores que geram conflitos pelo uso e apropriação do território e de que maneira o conhecimento jurídico pode contribuir para garantir o acesso e a efetiva realização de direitos”, define a professora KatyaIsaguirre, coordenadora do projeto.
A atuação do projeto ganhou proporções e abrange hoje o Núcleo EKOA no programa de Pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento da UFPR. O trabalho em conjunto rendeu um grupo de pesquisa – EKOA: Direito, Movimentos Sociais e Natureza – e de iniciação científica.
Sete estudantes graduação e quatro pós-graduandos estão envolvidos nas atividades, Flávia Donini Rossito está entre eles. A doutoranda integra o projeto há quase dois anos e acredita que não há outra forma de trabalhar com povos e comunidades tradicionais sem reunir coletivo, pesquisa e interdisciplinaridade. “Acredito na efetividade do EKOA. Conseguimos fazer uma assessoria jurídica popular em vários momentos. Estou bastante feliz enquanto advogada e doutoranda” explica.
Já o estudante de Direito da UFPR, David Kenji Itonaga, participa do EKOA desde que iniciou a graduação. “Atuei em atividades que envolviam a temática da territorialidade e de direitos humanos. Aprendi muito com os povos e comunidades tradicionais”, diz.
David também destaca a importância de desenvolver atividades de extensão. “Estamos devolvendo um pouco de todos nós – estudantes e professores – à sociedade. É uma forma de enfrentar as desigualdades acima de tudo”, analisa.
Demandas da agricultura orgânica
A Associação de Agricultura Orgânica do Paraná (AOPA), formada por cerca de 600 famílias, influenciou a criação do EKOA. A Associação realiza a feira de orgânicos, aos sábados, no Passeio Público em Curitiba.
“Trabalhei com a AOPA desde 2009, durante minha tese de doutorado. Notei que existia uma carência de conhecimento jurídico voltado à discussão do rural e agrário. Conversamos e surgiu a ideia de criar um projeto de extensão para dialogar coletivamente sobre direitos vinculados aos problemas que eles vivenciam no cotidiano”, conta a coordenadora Katya Isiguirre.
A área de Direito era considerada distante da realidade dos associados, segundo o agricultor José Antonio Marfil, que faz parte da coordenação da AOPA. “Essa parceria foi muito importante, aproximou a agricultura familiar e a universidade. Tínhamos muitas dúvidas e eles nos ajudaram”, conta, referindo-se às atividades realizadas pelo projeto.
O grupo da UFPR realizou oficinas de direitos nas assembleias da AOPA até o final de 2016 e construiu em conjunto a Cooperativa de Agricultores Orgânicos e de Produção Agroecológica (COAOPA). Os debates nas oficinas abordaram temas como soberania e segurança alimentar, direito humano à alimentação adequada, legislação sobre sementes, contaminação dos orgânicos/agroecológicos, entre outras temáticas.
Parceiros e ações do EKOA
Muitas demandas chegam até o EKOA pelas parcerias estabelecidas com instituições em geral. Além disso, há parceria com o Enconttra do curso de Geografia da UFPR – Coletivo de Estudos sobre Conflitos pelo Território e pela Terra – e com o Centro de Pesquisa e Extensão em Direito Socioambiental da PUC-PR (Cepedis).
Desde o último ano, o projeto também participa de oficinas na Jornada de Agroecologia do Paraná.
As dúvidas referentes ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) levou também os faxinalenses – povos que utilizam terras tradicionalmente ocupadas, conciliando atividades agrossilvipastoris com a conservação ambiental – a buscarem orientação do EKOA. Por meio dessa articulação o Ekoa e os grupos parceiros (Cepedis e Enconttra) concluíram um estudo para caracterizar o modo de vida dos povos e comunidades tradicionais,beneficiando oito segmentos: faxinalenses, ilhéus, pescadores artesanais, indígenas, benzedeiras, quilombolas, cipozeiros e caiçaras.
Atualmente, o projeto da UFPR participa de ações no Acampamento Agroflorestal José Lutzenberger, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), localizado no município de Antonina no litoral do Paraná. O grupo do MST congrega a produção de alimentos livres de agrotóxicos e a recuperação da Mata Atlântica da região por meio da agroecologia.
“A produção envolve soberania alimentar, uma vez que ao mesmo tempoque produzem alimentos saudáveis, recuperam a natureza em plena Mata Atlântica, até então devastada pela bubalinocultura”, relata a doutoranda Flávia.
Inscrito pelo EKOA e pelo Cepedis (Centro de Pesquisa e Extensão em Direito Socioambiental da PUC-PR), o acampamento agroecológico foi vencedor do prêmio Juliana Santilli de Agrobiodiversidade 2017, do Instituto Socioambiental – ISA. O grupo receberá intercâmbio de parceiros que queiram conhecer a iniciativa.
A premiação contempla iniciativas que promovem a conservação da biodiversidade. “Pretendemos dar visibilidade nacional e internacional à causa, a partir da extensão, em comprometimento com a transformação da realidade social”, explica Flávia.
Pesquisa-ação
O projeto EKOA utiliza a metodologia de pesquisa-ação. De acordo com a equipe, a prática exige habilidades específicas para manter o diálogo com diferentes grupos.
“A estratégia é ir para a realidade e construir em conjunto, a partir do que encontramos no local. Pensamos em extensão universitária como ato comunicativo”, descreve a coordenadora Katya.
Flávia Rossito reforça que o objetivo é assumir o compromisso com a transformação social, começando pelo próprio meio. “A ideia é não separar a universidade do povo e dos movimentos sociais, e realizar a construção conjunta. A extensão é uma forma encontrada para aproximar a universidade da sociedade, bem como trazer o conhecimento popular para a ciência, porém, sem a apropriação desse conhecimento. O protagonismo é do povo”, explica.
Desafios e futuro do projeto
O projeto EKOA tem duração até 2020. A coordenadora Katya avalia que o saldo das atividades é positivo. “O EKOA vem de um somatório de outros projetos e representa a maturidade de todo o percurso que fizemos”, diz.
Um dos possíveis desdobramentos do projeto está focado na interdisciplinaridade. Porém, há preocupação com o futuro do EKOA.
“O desafio do EKOA é dar continuidade ao processo de diálogo sobre direitos dos agricultores, agricultoras, povos e comunidades tradicionais. Os cortes no orçamento das universidades federais nos deixam preocupados com a manutenção do projeto”, conclui Katya Isiguirre.