A sustentabilidade precisa ser a linguagem da gestão
Ao longo da minha vida profissional, tive contato com muitas ideias sobre o que é sustentabilidade, com muitos nomes distintos e significados ainda mais complexos. No geral, e durante muito tempo, era um termo associado à questão ambiental. Ainda que alguns fóruns e pouquíssimas empresas já discutissem, na década de 1950, uma visão mais ampla de negócio e de sua relação com o desenvolvimento da sociedade, a maioria dos profissionais possuía uma visão limitada, diferente do que hoje compreendemos como sustentabilidade – um conceito tão complexo e transversal.
Hoje, associamos o termo à atuação responsável do indivíduo para com o coletivo e uma visão clara de perenidade da sociedade e, por que não?, dos negócios. Autores renomados como Pavan Sukhdev apresenta em sua publicação, Corporation 2020, uma análise crítica do modelo econômico tradicional e como as empresas deveriam se preparar para uma nova economia.
Para as empresas que se reinventarem, a nova economia oferecerá oportunidades de aumentar o bem-estar humano, a igualdade
social, a redução dos riscos ambientais e os prejuízos ecológicos e de continuar a gerar fortes lucros. Quando transportamos o conceito de perenidade para o mundo dos negócios, é necessário cuidado para não associar que a perenidade dos negócios isoladamente garante a perenidade da sociedade.
O primeiro cuidado é compreender que a empresa faz parte da sociedade, tendo uma influência positiva ou negativa sobre esta e sendo, ao mesmo, influenciada por ela. Isso é o que chamamos de externalidade. De fato, não existe empresa perene numa sociedade deficiente e limitada. O ambiente saudável fortalece o negócio, e o negócio pode contribuir para desenvolver a sociedade que influencia.
Desenvolver e fortalecer um ambiente de cooperação, colaboração, confiança e transparência é a base para uma atuação responsável. Para integrar os princípios da sustentabilidade no modelo de gestão de uma empresa, é necessário compreender o momento da organização. Ou seja, como a empresa tem lidado com os desafios que transcendem os conceitos tradicionais do que é fazer negócio. Esses desafios não sobrepõem o princípio básico de uma empresa que, por natureza, deve agregar valor à sociedade e remunerar o capital.
Pretende, por outro lado, criar um novo conceito de se fazer negócio, tendo, ao mesmo tempo, a preocupação em mitigar seus impactos em toda a sua cadeia de valor. Criar um olhar holístico e crítico da cadeia de valor e conhecer profundamente como é o relacionamento com fornecedores, colaboradores, clientes, formadores de opinião, etc., com foco naquilo que é mais relevante. Entender a externalidade do negócio é compreender o que é material para a empresa. Não existe materialidade para aquilo em que a empresa não influencia direta ou indiretamente – sua “zona de influência”.
Repensar as entregas dos principais executivos agregando os princípios da sustentabilidade nas áreas de atuação de cada um deles é uma forma eficiente de provocar o pensamento crítico e, ao mesmo tempo, de estimular a criatividade para repensar o negócio. Ainda que, em nossa sociedade atual, tenhamos uma visão de retorno no curto prazo, estimular o pensamento de médio e longo prazo, sem descuidar das entregas do tão falado “trimestre”, é uma forma de conciliar o resultado no curto prazo com a evolução cultural necessária para um novo modelo de gestão. Esse modelo contribuirá efetivamente para a perenidade dos negócios.
Uma vez compreendido o momento da empresa, é preciso que todo o processo tenha o apoio incondicional do seu principal executivo. Sem esse apoio, é improvável que essa agenda evolua na velocidade necessária. Como executivos, fomos treinados para medir e gerenciar, criando valor econômico para o negócio. Sustentabilidade vai além desse pensamento.
É ter ciência de que é preciso medir e valorar, mas que apenas isso, no momento histórico atual, não é mais suficiente. O Sistema de Governança tem o papel de contribuir para elevar o nível de consciência dos executivos e colaboradores em geral. Se não houver comprometimento, não haverá evolução, e o tema passará a ser uma agenda de conveniência.
A sustentabilidade trabalha com produtos e projetos que só podem ser construídos mediante o alinhamento com as bases e com o operacional. Diferentemente das outras áreas, a sustentabilidade, dada a sua transversalidade, exige o comprometimento de muitas pessoas. E isso só acontece se se consegue construir uma sólida relação de confiança.
É um esforço grande para uma mudança cultural. Lembremos que uma empresa não se move sozinha, ela é composta por pessoas que tomam decisões o tempo todo. A forma como as decisões são tomadas revela o momento da sustentabilidade na empresa.
Tomemos um exemplo simples de aquisição de energia: o executivo que toma a decisão prioriza preço e qualidade do serviço e, além disso, considera aspectos como a qualidade da energia e sua intensidade de emissão de carbono. Nesse caso, esse executivo está incorporando os princípios da sustentabilidade. Isso porque considera fatores além dos tradicionais e passa a desenvolver a análise crítica da contribuição que a empresa promove para o bem comum ao priorizar uma matriz energética mais limpa.
Isso afeta custo muitas vezes. Mas uma empresa comprometida com os princípios da sustentabilidade entende que deve trabalhar com o melhor preço, e não com o menor preço, para aquisição de produtos, insumos e serviços. Na prática, o preço passa a ser definido como um todo, ou seja, uma visão de longo prazo na aquisição que, portanto, considera outros atributos no processo de decisão.
Com o apoio da liderança, as ações aprovadas pela alta administração serão implantadas pela área industrial, pelo jurídico, pelo RH ou outra área e não necessariamente por uma área dedicada. Seria impraticável pensar que a agenda de sustentabilidade pudesse ser conduzida e implantada por uma área. No geral, as empresas adotam uma estrutura que visa atuar como facilitadora, e, nesse caso, cabe a essa estrutura o papel de comunicar bem. Ao mesmo tempo, cabe aos responsáveis pelas áreas estarem abertos e preparados para entender a importância dessa nova visão para a empresa. Isso não acontece da noite para o dia.
Nesse caso, definir claramente uma estrutura para o tema, assim como orçamento dedicado, metas e entregas, é fundamental para fortalecer o compromisso com a sustentabilidade. Ter uma equipe focada no projeto que seja coesa e competente é fundamental para o sucesso do trabalho.
O processo de transformação e aprimoramento é difícil, já que é comum se deparar com gestores descrentes, outros expressamente contrários ou ainda aqueles indiferentes. Um projeto que visa implantar a sustentabilidade no modelo de gestão tem o desafio de provocar reflexões, quebrar paradigmas e abordar questões sensíveis, tanto na cultura quanto no negócio. Isso, por si só, já incomoda aos que são avessos a sair da zona de conforto.
Vejo três pontos marcantes e complexos para a inserção da sustentabilidade no processo de gestão. O primeiro é conferir materialidade ao ganho na hora de decidir pela implantação de um programa ou de um projeto de sustentabilidade. Os caminhos encontrados exigem persuadir a alta direção e inserir o tema no planejamento estratégico.
O segundo ponto consiste em criar valor para a marca relacionada, convencendo um executivo de que determinado atributo pode representar um diferencial de vendas. E o terceiro diz respeito ao risco, ou seja, ao custo de não fazer, de se omitir, de não se relacionar ou de não assumir uma postura de transparência. São equívocos que podem pesar muito, por exemplo, para uma companhia de capital aberto e que precisa prestar contas a seus públicos.
Outro ponto de grande importância é o medo de errar que inibe a inovação e faz com que as pessoas evitem iniciativas. Na verdade, errar faz parte do processo de aprendizado. O profissional que deseja trabalhar na área de sustentabilidade precisa entender do negócio, ir para área comercial, acompanhar a fábrica, o desenvolvimento do produto.
O conceito de sustentabilidade pode ser aprendido, mas é preciso fazer a relação com o negócio, falar a linguagem da gestão. É necessário, ainda, observar as janelas de oportunidade para a mudança. Por fim, para avançar, é fundamental ter envolvimento pessoal e alinhamento de valores entre empresa, sociedade e indivíduos, para garantir que o projeto seja perene.
Antonio Joaquim de Oliveira
Presidente Executivo da Duratex
Fonte: Revista Opiniões
Parceira PECCA/UFPR